quinta-feira, setembro 14, 2006

Desculpe, mas a senhora está a prostituir-se?

Uma vez, numa pequena cidade do interior alentejano, avistei uma mulher parada junto a uma esquina de uma daquelas casas características da região, caiadas de branco com o bordo azul em redor de porta e janelas.
Essa mulher trajava umas calças de ganga e uma camisola verde, estava na casa dos 30 e aparentava ser o protótipo da mulher alentejana, provavelmente casada e mãe de família. Era ligeiramente robusta, não particularmente bonita, mas com um olhar decidido.
Não resisti à provocação, a espera dela junto à esquina impeliu-me a aproximar-me e, o mais educadamente possível, perguntei-lhe:
-Desculpe, mas será que me pode dar uma informação: a senhora está a prostituir-se?
Estava pronto a desatar a correr mal ela começasse aos berros a chamar pelo marido e vizinhos, mas a reacção dela foi muito diferente. Notei, por um breve instante, a surpresa e incredulidade nos seus olhos, mas por detrás destes uma mente inteligente e plena de vivacidade fez-la responder, após alguns momentos de silêncio e avaliação mútua:
-Depende.
-Depende como, minha senhora? - retorqui eu, mantendo a polidez na voz e na expressão.
-Depende da oferta. Não sou prostituta nem nunca me ocorreu ser. Estou aqui à espera da carrinha do pão que passará nesta rua daqui a poucos minutos.
-Mas o que a leva, então, a eventualmente aceitar uma proposta minha?
-Sou casada e mãe de duas crianças. Aqui todos me conhecem, se alguém tiver a mais leve suspeita de que alguma coisa se possa passar entre nós, nunca mais posso sair à rua. Assim, aviso já que terá que ser uma proposta muito boa, pois isso não é a minha vida.
Li nos seus olhos que não era só o dinheiro que a incentivava, mas a pedrada atirada às águas calmas da sua existência.
-Mas e o seu marido, os seus filhos? - perguntei eu.
-O meu marido está a trabalhar no campo, só chega ao fim do dia. Os meus filhos estão a passar uns dias em casa da minha sogra numa aldeia aqui perto.
-Então iríamos para sua casa?
-Vamos mais devagar,até agora não está nada decidido. Ainda não se passou mais do que se eu lhe estivesse a explicar como se vai para a estação de comboios.
-Mas quanto é que quer?
Vi o olhar dela a avaliar-me, ver quanto é que eu poderia oferecer. Aquilatou também o meu aspecto físico e perscrutou-me a mente através dos meus olhos, antecipando se a experiência lhe poderia também trazer prazer e um risco controlável.
- Mil euros e o relógio que traz. - disse de forma decidida.
O relógio tinha sido oferecido pela namorada, era razoável mas nada de mais. Tive a noção que ela se tinha apercebido da proveniência do relógio e pediu-o para ter uma prova da minha infidelidade como garantia que a sua pacata vida estaria salvaguardada.
Acedi. O apelo do insólito e da transgressão de regras moralmente impostas pela sociedade foi mais forte.

Nunca mais esqueço aquela larga cama de casal, o retrato do marido na sala e o cheiro a cebola ao passar pela cozinha.